E aquela peteca que não podia cair? Caiu.
Um convite para pensarmos sobre saúde, autocobrança e exaustão a partir da minha experiência
Comecei o ano de 2024 exausta, sem bateria social nenhuma. Até o momento, esse é o período da minha vida em que estive mais introspectiva. Não que eu tenha uma bateria social incrível – não tenho e hoje aceito e acolho essa característica muito bem -, mas estamos em fevereiro e não vi praticamente ninguém, falo e convivo o mínimo necessário com as pessoas, me afastei das redes sociais e estou usando o que me resta de energia com meus filhos e marido. Não é que eu não sinta falta de pessoas e eventos, porque eu sinto e muito, mas é como se eu precisasse ficar mais tempo comigo mesma nesse período. Gostaria de poder dizer que isso é apenas sobre a correria que foi o fim do ano. Entre os dias 1º de dezembro e 14 de janeiro, passei apenas 9 dias na minha casa. No restante do tempo, estive zanzando de um lugar para o outro, em viagens que foram muito felizes, mas que tiveram todo o lado cansativo de voos longos, percursos demorados de carro na temporada, fazer e desfazer malas para contextos diferentes, carregar tralha de criança e estar atenta a elas o tempo inteiro, proporcionando cuidado, afeto, segurança e entretenimento. Isso é muito, mas não seria o suficiente para me exaurir, pelo menos não por tanto tempo. A verdade é que eu tive um segundo semestre muito difícil por questões de saúde, com as quais ainda estou lidando, e até poucos dias atrás estava negando tudo isso e me cobrando por não estar em um lugar melhor até que: poft, resolvi deixar a peteca cair.
Minha vida é boa. É muito melhor do que a da maioria das pessoas neste país e, possivelmente, no mundo. Tenho acesso à saneamento básico, alimentação de qualidade, educação, lazer, cultura. Tenho uma família saudável, filhos maravilhosos e um companheiro que me apoia. Sou uma mãe com uma rede de apoio paga e familiar em que posso confiar e que faz com que eu tenha tempo para ser eu mesma. A culpa que sinto por não estar bem quando olho para tudo isso é imensa. Indescritível. Sendo mulher, fui socializada para ser boazinha, para resolver as coisas sozinhas, para não dar trabalho e não decepcionar ninguém nunca. Não me sinto no direito de padecer, nem quando se trata de uma questão de saúde. Quer dizer, não me sentia, por que de uns dias para cá, a coisa ficou ruim de novo e me vi obrigada a desistir de querer dar conta de tudo.
Escrever sobre isso aqui é muito importante. No geral, eu só conto sobre os meus problemas quando eles já estão solucionados, quando tenho um final feliz – ou ao menos um fim – para a história. Não é o caso dessa vez. Pela primeira vez, vou falar enquanto o bicho está pegando. Só quem convive comigo de forma muito íntima sabe o que tenho passado. O nome do meu mal é Síndrome Disfórica Pré-menstrual, o que, explicando de forma sucinta, é uma TPM elevada à décima potência, muito mais forte e debilitante do que o usual. No meu caso, isso significa 15 dias de sintomas, incluindo uma irritabilidade completamente fora do normal e exagerada, com tudo e com todos, crises de ansiedade constantes, que chegam a durar dias a fio e me fazem ter que usar tranquilizantes para suportar. Em outubro, isso foi tão forte que achei que teria uma crise de pânico. Só de lembrar me sinto muito mal. Tudo isso me deixa exausta e faz com que na outra metade do mês eu fique mais calada, com menos energia, tendo que fazer um esforço grande para realizar as coisas.
Tudo começou mais ou menos em julho. Desmamei meu bebê do peito em abril e, desde então, meu perfil hormonal começou a mudar, o que é natural para a situação. Só que a partir de julho, comecei a ter esses episódios de TPM mais violentos. Em agosto a coisa escalou e em setembro e outubro vivi momentos de terror. Tudo isso enquanto eu seguia me esforçando para fazer o meu melhor com mãe, esposa, amiga, estudante. Muitas pessoas ao meu redor passaram por coisas difíceis e fiz meu melhor para acolher. Minha menor média na faculdade foi 8,9, eu quase não faltei às aulas, contribuí muito nos trabalhos em grupo, li o que foi necessário. Dá para imaginar a quantidade de energia investida nesse resultado? É certo que estou pagando o preço de tudo isso. Em novembro comecei a tomar um hormônio para ajudar na situação, o que fez que dezembro fosse menos difícil, mas sinto que essa ação resolveu apenas 50% do problema. Era um teste de três meses que está terminando e, provavelmente, a estratégia vai ter que mudar. Já comecei a mobilizar todos os profissionais que estão me acompanhando para repensarmos a rota e tentarmos uma nova saída. Com sorte, acharemos um caminho melhor para mim. Preciso muito acreditar nisso.
Olhando em retrospecto, penso que a coisa poderia ter ficado muito pior. Só não entrei em um buraco de depressão bem fundo por causa do meu estilo de vida. No ano passado, fiz um grande esforço para me alimentar melhor, voltei a praticar atividade física com mais frequência, fiz terapia semanalmente, investi em um acompanhamento mais frequente com a psiquiatra. Enfim, fiz a lição de casa me dedicando a uma vida com menos exageros e mais bons hábitos e tenho certeza de que isso segurou a barra legal. A minha força de vontade, a minha dedicação e o meu otimismo natural também contaram muitos pontos. Só que acho que passei um pouco do ponto nesse quesito. Poderia ter pedido mais ajuda, desacelerado mais, dado menos do que eu não tinha e feito menos coisas por conta da culpa de que falei anteriormente. Infelizmente, não tem como voltar e fazer e melhor, mas tenho agora a oportunidade de pegar mais leve comigo, em um momento em que as minhas aulas ainda não retornaram e as demandas são menores. Tem sido um alívio simplesmente aceitar a minha limitação e descansar um pouco. Sigo fazendo o que está ao meu alcance para melhorar minha condição e respeitando meus limites. Na semana passada, achei que seria uma boa tática organizar a minha casa para elevar o humor. Percebi que os únicos espaços que estavam realmente desorganizados eram os meus. Isso diz tanto sobre o meu estado de espírito, meu mundo interior. Gastei muitas horas arrumando por fora para ajeitar por dentro. Funcionou um pouquinho, senti paz e esperança nos meus ambientes tão organizados e na minha capacidade de realizar essa tarefa.
Não sei muito bem se tudo isso vai ter solução ou se vou ter que me acostumar a viver com parte dessa perturbação. Sei que sigo procurando uma saída. Li em algum lugar que você tem muitos problemas na vida até que tem um problema de saúde e esse passa a ser o seu único problema e só posso concordar. O clichê de quem tem saúde tem tudo é real. Por ora, vou caminhando um passo de cada vez, buscando entender muitas coisas. Se ainda não dá para mudar, dá para investir em aceitar as coisas como elas estão. Na semana que vem, já é carnaval. Não vou mentir, estou com um pouco de esperança de que uma das minhas festas preferidas do ano melhore um pouco a minha energia. Vou adicionar um pouco de glitter e batuque no meu tratamento. Quem sabe isso faça eu ter vontade de me abrir um pouco para o mundo. O bloco dos dias melhores está para sair.