Muitas coisas nessa vida vêm em pares. Luz e escuridão, amor e solidão, alegria e tristeza, Sol e Lua. Há quem as veja em oposição, o que faz todo sentido, mas eu prefiro ver a complementaridade. Quem só vive no escuro não pode dizer das maravilhas da luz; quem só vive de claridade não tem como conhecer o mistério da escuridão. Se alternarmos as duas coisas, poderemos comparar e aproveitar o que cada uma tem a oferecer. É preciso constraste e complementaridade nesse processo. Desconheço quem viva só de escuridão e desconfio de quem diz viver só de luz. No meu último aniversário, ganhei da minha psicóloga um livro de uma psicóloga junguiana chamado “Arquétipos da Sombra”. Só comecei a leitura recentemente e estou me identificando demais com as ideias (nota mental: quando sua psicóloga te der um livro, leia rápido, passe ele na frente da fila da leitura). Ele trata das nossas vivências mais profundas, aquelas que levam a gente por viagens para as profundezas de nós mesmos, para o fundo do nosso poço. Nossos cantos abandonados, nossos mistérios, medos e dores. No geral, não visitamos esses locais por escolha, mas quando vivemos ou revivemos traumas, quando enfrentamos desafios maiores do que a nossa força, ao vivermos um luto ou ao lidar com a falta de saúde, nossa ou de quem amamos. Evitamos esses lugares e se por um acaso nos vemos neles, movemos mundos e fundos para sair da forma mais rápida possível, seja por negação ou por solução, e não movemos esforços para esconder, disfarçar, para que ninguém note que estamos mergulhados na nossa própria escuridão.
Existe um estigma enorme sobre aparentar tristeza, estar deprimido ou desesperançoso, embora todos nós experimentemos esses estados, em menor ou maior grau. Na nossa cultura de alta produtividade e de redes sociais, é preciso ser radiante, grato, contente haja o que houver. Se você não está incessantemente buscando felicidade, você está vivendo errado. Trabalhe enquanto eles dormem, tenha uma rotina instagramável, sorria, publique provas de que, apesar dos pesares, você está feliz, você quer ser feliz, você jamais desistiu de ser feliz. Fiquei exausta só de escrever essas últimas linhas. De onde eu vejo, deveria ser exatamente o contrário: encontra a felicidade quem se desobriga um pouco dela, de persegui-la e exibi-la incessantemente. Quem admite que essa batalha é perdida. “Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”, já diria a canção.
Do início do ano para cá, peguei um bode grande de redes sociais. Não que seja algo novo, de tempos em tempos eu apago os aplicativos, faço um detox, limito o uso. Mas esse ano, teve algo de diferente nesse cansaço. Quem olha o meu feed no Instagram dos últimos seis meses, não consegue dizer a barra que eu tenho enfrentado, da qual falei longamente aqui e basta clicar para ler. O que está publicado ali não é, de forma alguma, mentira. Vivi muitos momentos felizes com os meus, dignos de serem fotografados. Mas isso é apenas uma pequena parte de toda a história. Teve muita alternância de luz e escuridão na minha vida, mas apenas os momentos solares são compartilhados com imagens. Comecei a me incomodar com isso e a questionar também o conteúdo alheio. Um show de luzes comandados por todos os perfis que eu sigo, de vidas que são feitas de treinos, viagens, dias de sol, sorrisos e companhia. Comecei a me sentir cega com tanta claridade e me perguntar onde estão as pessoas de verdade, interessantes, que não vivem apenas felizes, acompanhadas, maquiadas e penteadas. As que se permitem sentir desconforto com a vida e com o mundo. Comecei eu mesma aparando as minhas arestas e publicando meus desafios aqui, para quem quiser ler. Não acho que isso sirva para todos, mas o enfretamento das minhas questões tem sido muito mais sereno depois que o integrei ao resto. Estar deprimida e passando dificuldades não é um pedaço solto da minha existência que desejo eliminar. É algo que tenho que viver, faz parte da minha jornada, de quem eu sou. É a parte quem me falta e quem me abraça leva isso de brinde.
Como tudo na vida tem dois lados, essa nova forma de encarar esse momento da minha vida no melhor estilo “é isso que temos para hoje” e “talvez um dia passe” fez com que eu pudesse aprender coisas novas sobre mim. Com a energia mais baixa que o de costume, aceitei e acolhi, finalmente, minha timidez, meu lado introspectivo, minha falta de carisma e a minha incapacidade de aturar determinadas pessoas e situações. Foi preciso essa adversidade para eu entender que toda a socialização feminina imposta a mim desde a infância – seja simpática, sorria, seja boazinha, seja discreta, cuide dos outros, ceda, não dê trabalho – é ainda um peso enorme na minha vida. Comecei a pensar em quantas conversas já tolerei por isso e não me interessavam minimamente. Quantos sorrisos já dei porque eram esperados. Quantas vezes me degastei para pertencer a grupos, para parecer solar, alegre e descolada, quando tudo que eu queria era ficar quieta no meu canto. Pode não parecer para o mundo, mas eu sou uma pessoa reservada, silenciosa e que gosta de ter tempo para estar consigo mesma, para mergulhar em si. Eu prospero apenas onde me sinto muito à vontade. Não sou boa de aparições públicas e nem com muita gente. Sou boa com as pessoas em pequenos grupos ou individualmente. Considero impossível me relacionar com pessoas mono problema. Você tem todo o direito de ter um grande problema e cultivar ele pelo resto da sua vida, apenas editando um pouquinho com o passar do tempo. Mas é bem provável também que a minha relação com pessoas assim esteja fadada ao fracasso, eu simplesmente não consigo. Tenho uma questão com o barulho e com toque físico desde criança. Posso gostar de carnaval, de grandes shows e de festas se eu estiver em dias em que isso faz sentido, com pessoas que façam isso ter sentido. Não bastasse a questão da personalidade, existe também o componente “mulheres e seus hormônios”. Nós somos cíclicas, variamos ao longo do mês entre luz e sombra, dentro e fora, berrar e calar. No final das contas, acho que personalidades solares cabem aos homens e seus dias hormonalmente iguais. Mulheres saudáveis precisam compreender, respeitar e tirar proveito das suas muitas versões ao longo de um mês, ao longo de uma vida.
Estou aqui nessa manhã de terça-feira que não se sabe se será fria ou quente para te convidar a baixar a sua luz, a olhar para a sua sombra, para a sua feiura, para a sua dor. Para olhar com carinho para o seu todo. Escutar aquele pensamento intrusivo, imaginar uma foto impublicável da sua vida e como seria o seu feed no Instagram se ele fosse um retrato do que você é, do que você sente, do que você vive. Talvez as tretas da nossa vida não sejam bonitas, nem estéticas e não se salvem nem metendo um filtro. Mas elas são passagens obrigatórias que ensinam, educam e podem ser um caminho importante no exercício de autoconhecimento. A doença, o luto, a perda, o desgosto, elas vão te encontrar, então o importante é a capacidade de encarar. É tateando no escuro que a gente desenvolve outros sentidos e aguça a nossa intuição.